Lição sobre a água
Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.
É um bom dissolvente.
Embora com excepções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, bases e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.
Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.
Wednesday, February 14, 2007
Suspensão Coloidal
Suspensão Coloidal
Penso no ser poeta, e andar disperso
na voz de quem a não tem;
no pouco que há de mim em cada verso,
no muito que há de tudo e de ninguém.
Anda o cego a tocar La Violotera,
e eu a vê-lo e a cegar;
e a pobre da mulher esfregando e pondo a cera,
e eu a vê-la, e a esfregar
Que riso perto, que aflição distante,
que infíma débil, breve coisa nada,
iça, ao fundo, esta draga carburante,
rasga, revolve e asfalta a subterrânea estrada?
Postulados e leis e lemas e teoremas,
tudo o que afirma e fura e diz sim,
teorias, doutrinas e sistemas,
tudo se escapa ao autor dos meus poemas. A ele, e a mim.
Penso no ser poeta, e andar disperso
na voz de quem a não tem;
no pouco que há de mim em cada verso,
no muito que há de tudo e de ninguém.
Anda o cego a tocar La Violotera,
e eu a vê-lo e a cegar;
e a pobre da mulher esfregando e pondo a cera,
e eu a vê-la, e a esfregar
Que riso perto, que aflição distante,
que infíma débil, breve coisa nada,
iça, ao fundo, esta draga carburante,
rasga, revolve e asfalta a subterrânea estrada?
Postulados e leis e lemas e teoremas,
tudo o que afirma e fura e diz sim,
teorias, doutrinas e sistemas,
tudo se escapa ao autor dos meus poemas. A ele, e a mim.
Lágrima de preta

Lágrima de preta
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
Estrela da Manhã
Estrela da Manhã
Numa qualquer manhã, um qualquer ser,
vindo de qualquer pai,
acorda e vai.
Vai.
Como se cumprisse um dever.
Nas incógnitas mãos transporta os nossos gestos;
nas inquietas pupilas fermenta o nosso olhar.
E em seu impessoal desejo latejam todos os restos
de quantos desejos ficaram antes por desejar.
Abre os olhos e vai.
Vai descobrir as velas dos moinhos
e as rods que os eixos movem,
o tear que tece o linho,
a espuma roxa dos vinhos,
incêncio na face jovem.
Cego, vê, de olhos abertos.
Sozinho, a multidão vai com ele.
Bagas de instintos despertos
ressuma-lhe à flor da pele.
Vai, belo monstro.
Arranca
as florestas com os teus dentes.
Imprime na areia branca
teus voluntariosos pés incandescentes.
Vai
Segue o teu meridiano, esse,
o que divide ao meio teus hemisférios cerebrais;
o plano de barro que nunca endurece,
onde a memória da espécie
grava os sonos imortais.
Vai
Lábios húmidos do amor da manhã,
polpas de cereja.
Desdobra-te e beija
em ti mesmo a carne sã.
Vai
À tua cega passagem
a convulsão da folhagem
diz aos ecos
«tem que ser».
O mar que rola e se agita,
toda a música infinita,
tudo grita
«tem que ser».
Cerra os dentes, alma aflita.
Tudo grita
«Tem que ser».
Numa qualquer manhã, um qualquer ser,
vindo de qualquer pai,
acorda e vai.
Vai.
Como se cumprisse um dever.
Nas incógnitas mãos transporta os nossos gestos;
nas inquietas pupilas fermenta o nosso olhar.
E em seu impessoal desejo latejam todos os restos
de quantos desejos ficaram antes por desejar.
Abre os olhos e vai.
Vai descobrir as velas dos moinhos
e as rods que os eixos movem,
o tear que tece o linho,
a espuma roxa dos vinhos,
incêncio na face jovem.
Cego, vê, de olhos abertos.
Sozinho, a multidão vai com ele.
Bagas de instintos despertos
ressuma-lhe à flor da pele.
Vai, belo monstro.
Arranca
as florestas com os teus dentes.
Imprime na areia branca
teus voluntariosos pés incandescentes.
Vai
Segue o teu meridiano, esse,
o que divide ao meio teus hemisférios cerebrais;
o plano de barro que nunca endurece,
onde a memória da espécie
grava os sonos imortais.
Vai
Lábios húmidos do amor da manhã,
polpas de cereja.
Desdobra-te e beija
em ti mesmo a carne sã.
Vai
À tua cega passagem
a convulsão da folhagem
diz aos ecos
«tem que ser».
O mar que rola e se agita,
toda a música infinita,
tudo grita
«tem que ser».
Cerra os dentes, alma aflita.
Tudo grita
«Tem que ser».
Poemas escolhidos
António Gedeão, tem uma obra muito extensa dessa obra seleccionei alguns que gostei mais... o meu preferido, como já tinha referido, é a Pedra Filosofal:
- Estrela da Manhã
- Lágrima de Preta
- Suspensão coloidal
- Lição sobre a água
Pode um Poeta Morrer?
A "morte" de António Gedeão deu-se em 1984, com o lançamento de Poemas Póstumos, por decisão do seu autor, Rómulo de Carvalho.
- "Agora é melhor morrer..." (disse Rómulo de Carvalho em relação ao seu pseudónimo António Gedeão)
Sobre o progresso científico...

“A Humanidade conserva-se igual a si mesma.”
“Todas essas descobertas no campo da Física e da Astronomia. Os processos modernos, que permitem ver cada vez mais longe, imaginando como é que o universo se organizou e se expande. Isso impressiona imenso. O que seria o Universo? E nós, que temos tendência a acreditar que tudo tem um princípio.”
“Todas essas descobertas no campo da Física e da Astronomia. Os processos modernos, que permitem ver cada vez mais longe, imaginando como é que o universo se organizou e se expande. Isso impressiona imenso. O que seria o Universo? E nós, que temos tendência a acreditar que tudo tem um princípio.”
in Jornal de Letras, Ano XVI, nº 680, 6 a 19 de Novembro, 1996
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